
E se um dia acordasse e tudo tivesse mudado? Se tudo o que tinha como certo desaparecesse? Se este maldito mundo desabasse em cima de mim? Se quando acordar tu já não estiveres ali comigo? Como devo eu continuar a viver? Todos os dias alguém me diz: “Deixa-a a ir. Tens que a deixar partir.” Como querem que eu o faça? Tu não és um objecto que baste atirar da janela. Estás dentro de mim, nos meus olhos que choram, nas minhas mãos que gelaram, nas minhas palavras lentas e tristes, nos meus pensamentos, no coração que apenas foi meu enquanto não te conheci.
Como é óbvio, ainda me lembro do dia em que te conheci. Andava a passear por aquele colorido jardim, a fazer tempo para não sei bem o quê. Vinhas num trilho ao lado, virei a cara, e por cima dos girassóis vi-te. Vi esse teu cabelo encaracolado que nunca mais esqueceria, vi os teus olhos que nunca mais deixariam de brilhar, e o teu sorriso que sempre me deu força para continuar.
No entanto, não fazia a menor ideia de que maldito fado me tinha sido destinado. Pensei que aquele amor, só nosso, durasse para sempre. Cada dia que passava mais te amava, mais fazias parte de mim, mais eu era dependente de ti. E agora? Acordei na cama, em que todos os dias dormimos juntos, e já não estás lá. Foste obrigada a ter de sair, tiveste de ir para outra cama. Uma desconfortável, em que dormes sem mim. Fica num quarto horroroso, triste e frio, com um cheiro também estranho. As pessoas andam todas de branco, mas garanto-te que aquilo não é o céu, no entanto essas pessoas são anjos da guarda, que tentam salvar-te, tentam que voltes para perto de mim.
Embora te tenha visitado todos os dias. Sinto a tua falta, já nada é o mesmo. Cada dia que passa, ficas mais doente, as dores aumentam (mesmo que digas que não), vais perdendo a esperança. Os médicos, esses tais anjos da guarda, já me vieram informar que não te conseguem manter cá comigo. Também eles dizem para eu preparar-me, pois irás partir em breve. Como querem eles que me prepare? Que te faça a mala para a viagem? Que compre lenços para quando chorar? Porque tens de ir? Uns dizem-me que irás para um lugar melhor, mas o melhor lugar não é ao pé de mim, ao pé de quem amas, e de quem te ama? Outros dizem que um certo Senhor te quer ao pé dele, mas eu quero mais! E quem é ele que te possa decidir tirar-te de mim. Os anjos dizem que fizeram tudo, que isto acontece. Mesmo sem saber o porquê tenho que entrar todos os dias no teu quarto e sorrir, pois quero que partas da maneira que chegaste à minha vida, comigo a sorrir só para ti.
Apesar de todos os dias sorrir, tu deixaste de sorrir, as dores já são demais, a esperança já se esgotou. Olhas para mim com esses dois olhos que fazem inveja a qualquer estrela, e dizes: “Deixa-me ir. Quero partir com um sorriso nos lábios.” Sorri-te e saí do quarto. Deixei-me escorregar pela parede, os meus olhos choravam como se algo dentro de mim se tivesse partido e estivesse a sair pelos olhos. Sempre tive esperança, e não queria a acreditar que morresses mesmo.
Mas estaria a ser egoísta se não te deixasse partir com esse sorriso maravilhoso, que sempre amarei. Os médicos aproximam-se de mim, ajudam-me a levantar e um deles pede para ter uma conversa comigo. Explica-me que Eutanásia é algo que te vai proporcionar uma morte melhor. Explica-me também que tornou-se legal recentemente. Mais parece que é um vendedor de uma companhia de viagens. Volto para dentro do quarto, para ti. Fiquei ali naquela cadeira dois dias, segurando-te a mão e sem dizer-mos nada um ao outro. Apenas olhando e dizendo com os olhos: “Amo-te”, assim partiste. E eu aqui fiquei com aquela imagem dos teus olhos e do teu sorriso para sempre gravada no meu coração. Para sempre ficarás comigo, até ao dia em que voltaremos a estar juntos.

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